A palavra empenhada vem se transformando, com o passar do tempo, em moeda de baixa cotação. Registra, nos dias atuais, queda livre em todas as principais bolsas de valores morais, principalmente nas da coerência, da consciência e da dignidade. O fenômeno, para nossa sorte ou azar, não é localizado, pelo contrário, parece ser pandêmico.
Certa vez, ao se manifestar sobre o tema, Chico do Baita, nosso mais ilustre sapateiro, trouxe à baila uma hipótese bem ao alcance compreensivo da grande maioria. Reforçou, com o seu canhão argumentativo de grosso e pornofônico calibre, o que ainda não tinha ficado muito claro para uma roda de frequentadores da sua oficina de apalazar.
Dizia ele — Antigamente, dava-se um fio do bigode como garantia de uma boiada e o negócio era fechado e honrado. Hoje eu posso raspar minha barba, o bigode e, de quebra, mandar a mulher de casa raspar a b… e enviar num saco como garantia, que não mandam em troca um biliro, um papel de alfinete, uma caixinha de ilhós… ninguém mais aceita fio de bigode, muito menos essa tal de palavra como garantia. Ninguém pode confiar mais em ninguém. — Assim pontuava Chico, jocosamente, sobre a degradação moral e ética dos novos tempos.
Ainda bem que o velho comunista não está vivo para constatar pessoalmente que nesse particular tudo só piorou e que a safadeza é cada vez mais declarada e aceita com naturalidade, principalmente na política. Logo Chico, que foi um ateu discreto, embora crente na sua ideologia, ostensivo e fervoroso na defesa de um mundo mais sincero, justo e igualitário?
Em Guarabira, o empenho da palavra, obviamente, não pode ser confundido com a palavra de Empenho, por expressarem sentidos diametralmente opostos. A primeira, por ter um valor substantivo, embora que abstrato. A segunda, por ser substantivo sem qualquer substância, a não ser a da esperteza e do heroísmo sem qualquer caráter. Culpa por isso? Não deve carregar! Graduou-se, fez mestrado e doutoramento sob a orientação de eméritos mestres, aos quais serviu e continua servindo, simultânea ou alternadamente, ao sabor dos ventos da sua conveniência pessoal. Tanto para os mestres como para o orientando, o único objetivo é a conquista do poder e a única regra é manter-se nele e dele, custe o que custar, como se fosse um território cuja posse passa a ser quase inquestionável.
Como um empírico profeta da chuva, Empenho parece possuir dons premonitórios. Empenhado há anos nessa verdadeira meteorologia política, tornou-se um observador atento da umidade relativa das urnas, além de perspicaz conhecedor de outros sinais anunciadores dos invernos eleitorais, em especial desse que se aproxima. Parece conhecer para qual lado estarão as boas nuvens carregadas de votos. Torço para que ele esteja errado, pois o seu movimento amoral, cíclico e pendular, desta vez, foi esbarrar, novamente, no que há de mais atrasado e cabotino em nossa prática política, desde os tempos dos velhos coronéis.
As câmaras municipais, que deveriam ser porta de entrada para o mister da vida pública, bastariam aos seus pretendentes no que tange ao desejo cidadão de servir à comunidade. Ao contrário, continuam umbral para os que transformam o mandato em emprego. Mesmo que tal emprego seja temporário, dão-lhe status de vitalício através de negociatas inundadas de dinheiro público. Obstruem, na verdade, a possibilidade de oxigenação mais frequente dos seus quadros, minguados moral e intelectualmente, incapazes de oferecer um mínimo de retorno à população que os mantém regiamente pagos, para o papel canastrão desempenham, guardadas, obviamente algumas exceções.
Manobras como estas possibilitam aos parlamentares reeleições sucessivas. Servem-se dos cargos ao invés de transformá-los em instrumentos para o alcance do bem comum, como deveria ser o ideal dos que merecessem ser chamados de homens públicos.
No caso local são poucos os que não negociam vantagens e privilégios aberta e despudoradamente. Alguns chegam a admitir a participação em arranjos pessoalíssimos envolvendo dinheiro do erário. Agem de forma deliberada contra o interesse coletivo. Ainda por cima, à boca miúda, querem colocar rótulo de praxe nas iniquidades praticadas.
São capazes de tudo para atenderem a si próprios em primeiro lugar e o fazem sob a justificativa de que todo mundo faz como eles, ou pelo menos faria, se estivessem no mesmo lugar.
Agindo assim, nos remetem à tal segunda natureza humana da qual fala Aristóteles. A segunda natureza que, de acordo com o filósofo grego, se impõe pelo hábito sobre a primeira e passa a ser a principal, desprezando todo e qualquer resquício de moral, dignidade, honra e ética.
Curioso, não só aqui, mas também em outros lugares, são os nomes “artísticos” que recebem os pretendentes à vida pública na pia batismal da política, ou que muitas vezes já os trazem da vida privada. Tais nomes fornecem, por assim dizer, uma pista de quem são e, às vezes, até do que já fazem ou pretendem fazer quando eleitos.
Os mais comuns são os fulanos de sicranos, que por falta de uma identidade própria, exibem como capital político os cordões parentais através dos quais serão manipulados. Outros, já trazem carimbada no sobrenome a marca do clã político ao qual pertencem. Não podemos esquecer os que perseguem mandatos eletivos em nome do pai, do marido, do bairro, das molas, do gesso, da bica e até do fusca, sem contar com os juniores de ontem e de hoje, desajeitados aprendizes de pêndulo, de risos sem graça, talvez até encabulados com as próprias vilezas, tornadas muito mais públicas do que os cargos que exercem ou exerceram. Para estes últimos a porta de saída da política, considerando o bem de todos, deveria ser e continuar sendo a grande serventia da Casa.
Os nomes não teriam tanta importância, não fossem as suas motivações nefastas e impublicáveis.
Durante toda minha vida sempre soube da compra de mandatos. Aquisições como estas dão aos seus adquirentes uma falsa impressão de que, ao ganhar uma eleição, escrituram um bem pessoal, transferível apenas por hereditariedade, indivisível. Nunca duvidei, pelo menos no que demonstram, que se sintam donos dessas delegações temporárias recebidas do povo. Um engano e tanto.
O que não conseguem convencer a mais ninguém, pelo que as evidências mais comezinhas são capazes de demonstrar, é que usem dinheiro do próprio bolso para as tais aquisições de mandatos. Talvez o façam apenas na primeira vez, como se apresentassem suas fichas, ou seja, um cacife para entrar no jogo.
Recentemente ouvi de um candidato, aqui mesmo em nossa aldeia, um comentário lamentoso sobre a penúria da sua campanha. Dizia ele — já participei de eleições com um certo dinheiro no bolso, já fui candidato gastando pouco dinheiro, mas esta é a primeira vez que participo de uma disputa eleitoral totalmente “liso”.
O tal político foi detentor de vários mandatos e me pareceu sincero em sua afirmação. Conheço-o há anos, e é público e notório que nada amealhou ou conseguiu juntar para si durante a sua trajetória política. Para os padrões atuais, só um louco ou um idealista seriam capazes de tanto.
Então, haveríamos de perguntar: o que faz um candidato “liso” em um ambiente de disputa onde o dinheiro fala mais alto? O que teria ele a oferecer aos eleitores e cabos eleitorais pidões? A palavra empenhada? Aquela que enquanto valor moral e ético teria morrido bem antes do sapateiro Chico do Baita? Talvez ! Quem sabe no futuro, um fio de bigode para um eleitor melhor qualificado, seja a garantia possível a ser dada por um candidato “liso”, sem que seja preciso exigir mais nenhum sacrifício capilar do restante da família.
Enquanto na política a palavra empenhada continuar com o mesmo valor da palavra de Empenho, ou seja, um risco dentro d’água, teremos no presente uma constante insegurança e no futuro uma eterna incerteza.
Alexandre Henriques é jornalista e ensaísta