Diante da escalada da crise na Venezuela que leva cada vez mais venezuelanos a cruzarem as fronteiras rumo ao Brasil em busca de uma vida melhor, o Governo de Michel Temer assinou um decreto reconhecendo a “situação de vulnerabilidade” em Roraima. O Estado é a principal porta de entrada dos imigrantes que fogem da crise de abastecimento de alimentos, do colapso dos serviços públicos e de uma inflação de 700% no país vizinho. O presidente ainda editou uma medida provisória (MP) que acena com ações de assistência emergências para imigrantes venezuelanos no Estado em diversas áreas, como proteção social, saúde, educação, alimentação e segurança pública. Elas serão coordenadas por um comitê federal composto por representantes de distintos ministérios e conduzidas em parcerias entre União, Roraima e municípios.
A prefeitura de Boa Vista estima que cerca de 40.000 venezuelanos já tenham entrado na cidade, o que representa mais de 10% dos cerca de 330.000 habitantes da capital. O número de imigrantes equivale aproximadamente a população de uma cidade como Boituva, em São Paulo. Guardadas as devidas proporções, Roraima vive sua crise particular de refugidos. Os abrigos estão lotados e milhares de imigrantes vivem em situação de rua. A maioria chega pelo pequeno município de Pacaraima, com 16.000 habitantes e depois segue para Boa Vista. Apesar de o fluxo de venezuelanos ter aumentado desde o fim de 2016, uma nova leva chegou após a Colômbia colocar mais travas para a entrada de refugiados no país.
Segundo o documento assinado por Temer, as medidas visam também ampliar as políticas de mobilidade, distribuição no território nacional e apoio à interiorização dos imigrantes venezuelanos, desde que eles manifestem essa vontade. De acordo com Camila Asano, coordenadora do programa de Política Externa da Conectas Direitos Humanos, o apoio aos venezuelanos que chegam via Roraima e querem procurar oportunidades em outros locais é fundamental, já que o mercado de trabalho no Estado é bem restrito. “A prática de interiorização necessita, no entanto, condições mínimas. Eles precisam estar documentados. É importante que as cidades que forem receber os venezuelanos estejam articuladas, para evitar ações problemáticas como no caso da imigração dos haitianos há alguns anos”, explica. Asano afirma que, no auge do fluxo migratório dos imigrantes vindos do país caribenho, após o terremoto de 2010, o Governo do Acre chegou a despachar diversos ônibus com refugiados haitianos para São Paulo sem a menor coordenação com as autoridades do Estado. “As pessoas chegavam e não tinham sequer um primeiro local de abrigo, sendo colocadas outra vez em uma situação bastante vulnerável”, diz.
O deslocamento dos venezuelanos que chegam pela fronteira é complexa. Muitas vezes, por não terem dinheiro para custear passagens ou táxis, alguns imigrantes percorrem a pé o caminho de mais de 200 quilômetros que separa Pacaraíma, na fronteira, e Boa Vista. “Famílias com crianças pequenas fazem o trajeto caminhando durante dias em uma estrada perigosa, já que muitas vezes não há acostamento. O táxi-lotação cobra cerca de 50 reais, o que é muito para quem chega sem dinheiro, fugindo da fome”, explica Asano que é membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CDNH) e participou no fim de janeiro de uma missão para avaliar a situação dos da acolhida dos imigrantes venezuelanos em Roraima, Pará e Amazonas .
Na quarta-feira, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, já tinha anunciado a atuação das Forças Armadas na coordenação das ações humanitárias e que o efetivo militar também será duplicado, passando de 100 para 200 homens. Após visitar Roraima durante o carnaval, o presidente Temer ressaltou que “ninguém vai impedir a entrada de refugiados” no Brasil, mas que irá “ordenar” o ingresso no país. O plano, segundo o Governo, é que um hospital de campanha seja deslocado para a fronteira e os postos de controle no interior de Roraima sejam duplicados.
Na avaliação da coordenadora da Conectas, o Governo Federal demorou muito para assumir a responsabilidade frente ao fluxo de imigrantes venezuelanos. “A gestão migratória é de competência federal. Espero que eles não foquem tanto nesta questão de controle de segurança, a prioridade é a questão humanitária. O importante é conseguir que esses imigrantes consigam se inserir na sociedade”, explica.
Do El País/Brasil