Por Jota Alves
Contar algumas de minhas incursões ainda na infância e adolescência é um exercício prazeroso de relembrar da ingenuidade e imaturidade que me abarcavam naqueles anos passados de minha vida em Mari, terra da sofisticada Maria das Neves de Paula Arruda e do excêntrico José Martins de Lima.
Meu pai é pescador, ex-agricultor e me arrastava em suas viagens matinais ou noturnas em busca de um açude alheio que estivesse “dando peixe”. Geralmente não me levava quando o açude era “empatado de pescar”.
As viagens, sempre feitas a pé ou de bicicleta, eram longas e cansativas. Acordávamos às 3 da manhã para arrumar o cesto com os apetrechos necessários. A isca, minhoca da terra, para fisgar os possíveis peixes, era colocada numa cumbuca com todo cuidado para não quebrar. Um banquinho de madeira era acessório indispensável; depois vinham os anzóis de reserva, uma faca de 7 polegadas e algo para se alimentar. Parávamos para o café às 7h e para o almoço às 11h. Farinha, bolacha 3 de maio e carne de charque sempre estavam presentes no cardápio.
Andávamos aproximadamente sete ou oito léguas nas estradas tortuosas da zona rural até chegar ao local de destino. Sofria com o cheiro horrível do cigarro de fumo de rolo que meu pai fumava com gosto na minha frente. Com passos curtos, não conseguia acompanhá-lo, e sobrava para mim inalar o cheiro forte do “pé-de-burro”. Na bicicleta, eu viajava no quadro da Monark 82 que pai comprou com muito sacrifício, com dinheiro da safra de algodão. A inconsistência da estrada de terra atritava a estrutura metálica à minha cocha e provocava dormência. Mas nada tirava a vontade de chegar ao açude e começar a jornada de pescaria.
Quando o açude estava para peixe não dava sequer fome. O cesto aos poucos ficava praticamente cheio de peixe a ponto de não caber mais. Isso acontecia quando era peixe graúdo; traíra ou tilápia. Em açude que pegávamos apenas piabas e piçocas (traíras jovens), não havia como mear o cesto. Mas foram poucas as vezes em que voltamos com carga máxima. A regra era pescaria que dava para “arrumar um torrado”.
Em uma de minhas pescarias diurnas consegui a façanha de fisgar uma traíra que pesava 1,5Kg. Era improvável que à luz do dia, com um anzol pequeno, um peixe daquele tamanho fosse sair de seus afazeres para fisgar uma isca minúscula. Mas naquele dia eu estava com sorte e subitamente senti que um peixe grande havia sido fisgado em meu anzol. Fiquei meu sem saber o que fazer. A vara de bambu foi até sua flexibilidade máxima. Consegui arrastar o peixe para fora d’água e saltei sobre ele já pedindo ajuda. Meu pai, Seu Zé Clementino, veio e me ajudou a colocar a traíra no cesto. Esse foi o maior peixe que peguei.
Também costumávamos pescar no rio que corta o município de Caldas Brandão. A pescaria de rio era uma festa porque juntava muita gente. Mãe, pai, tios, primos e irmãos saíam estrada afora em busca de um lugar onde tivesse água suficiente para a pesca com rede de arrasto ou pequenos arcos com uma rede, que chamávamos de “gereré”.
Pescar em rio requer muito cuidado porque o ambiente não é confiável e pequenos poços de água que parecem rasos enganam podem ser profundos, suficientes para provocar afogamento a alguém que não sabe nadar. Também é um risco tentar pescar os peixes com as mãos, botar a mão na loca. Algum animal como cobra ou jabuti pode causar uma surpresa desagradável. Na dúvida, é melhor esperar o peixe vir na rede. Camarão, piaba, piçoca, cará e sapo de rabo (esse último deve ser jogado fora) são o que mais ficam presos na rede.
Também me arrisquei fazendo companhia a meu pai durante a noite. Como a vara era grande e o anzol também eu não tinha força para ficar o tempo todo segurando a vara nem tampouco puxar o peixe. É preciso coragem para encarar a escuridão em noites sem lua em busca de um açude no meio do mato. Algumas vezes voltamos na manhã do dia seguinte com peixe para comer e vender. Noutras vezes, apenas o sono e cansaço.
À noite na beira do açude os inimigos são a escuridão, as muriçocas, o frio e a chuva que pode vir. No cesto, esse bem maior do que o da pescaria diurna, sempre carregávamos uma lona plástica para se proteger das intempéries do tempo. Meu pai espantava as muriçocas com a fumaça do cigarro “pé-de-burro” e eu ficava a noite toda, sem sucesso, tentando afastá-las das minhas orelhas, local preferido delas para nos infernizar.
Numa dessas aventuras de pescaria durante a noite, uma cobra d’água fisgou o anzol que meu pai pescava. Ele pensou que se tratava de um muçum, mas ao perceber que era o réptil matou-o de baque ainda no anzol. Como dizem que pescar cobra dá azar, a partir dali voltamos com o cesto vazio.