Por Jota Alves
A Semana Santa sempre me remete a momentos especiais vividos na minha fase de adolescência, de descobertas que ainda hoje guardo com saudades. Era um tempo bom de se viver com a intensidade que a vida oferecia.
Lembro que dos vários anos em que participei do espetáculo Paixão de Cristo do grupo teatral Nagô, uma apresentação em especial carrego viva na memória. Foi numa noite estrelada no distrito Zumbi dos Palmares, zona rural de Alagoa Grande, num campo de futebol que montamos o cenário ao ar livre.
O elenco já estava preparado para entrar em cena, a fita pronta para rodar a peça gravada com as falas todas dos personagens, mas não tinha gente para assistir. Os aprendizes de atores e atrizes ficaram preocupados. Mas não sabiam que as pessoas estavam na missa. A senha foi o “vamos em paz e que o Senhor vos acompanhe”, dito pelo padre ao fim da celebração. Uma verdadeira multidão cercou o campo onde estava montado o cenário e começamos a Paixão.
O público parecia extasiado com cada cena. As pessoas se acotovelavam para ficar numa posição melhor e não perder sequer um detalhe. Nunca havia antes testemunhado tamanha atenção de uma plateia. Senhoras choravam copiosamente quando os soldados surravam o personagem de Jesus Cristo, vivido por Sandoval, dono da banda Rasgando o Pano, que ostentava uma cabeleira grande justamente para viver Jesus todos os anos.
Eu vivia o maior traidor que história cristã conhece, o Judas Iscariotes. Na trama, fui eu quem beijei o rosto de Jesus e o entreguei aos soldados por trinta moedas de prata. O público estava tão mergulhado na história que algumas pessoas xingaram Judas e ameaçaram linchá-lo. “Judas, fela da puta, tu vai morrer também”, gritavam os mais exaltados. Eu, claro, fiquei apreensivo. Depois da cena do enforcamento, tive que sair amparado pelos soldados que resgatavam o traidor.
Passada a apresentação, a comemoração do elenco emocionado com o sucesso da Paixão em Zumbi, a hora era de desmontar o cenário e cair na real. Afinal, o transporte era feito em cima de caminhão sem cobertura e o caminho era longo. Era sofrido, mas valia a pena o esforço.
Jejum de merda
Eu era moleque, de família paupérrima e todos os anos, antes da incursão nas aventuras do teatro, palmilhava as ruas a pedir “um jejum para minha mãe jejuar” durante a Semana Santa. Eu, meus irmãos e primos voltávamos com a sacola meia de donativos. De farinha de mandioca a banana mole, vinha de tudo um pouco.
Certo dia bati palma numa casa e sapequei a frase feita: “dona Maria, me dê um jejum para minha mãe jejuar”. Demorou um pouco a resposta vir de dentro da casa que tinha um pano de chita dividindo a sala do corredor. Mas ouvi o arrastar de uma sandália se aproximando e uma senhora aparentando cerca de 70 anos abriu a cortina velha, saiu furiosa com um penico na mão contendo um tolete enorme e gritando: “está aqui o jejum que eu tenho pra vocês!”.
A partir da recepção que tive naquela casa da Rua São Sebastião voltei para casa com a sacola quase vazia e não mais voltei a pedir jejum.