Por Alexandre Henriques
No mês de setembro do ano 1957, em Chicago, nos Estados Unidos, morreu Karl Patterson Schmidt, um dos mais renomados herpetologistas (estudioso dos répteis e anfíbios) do seu tempo.
Soube da existência dele só agora, através de um documentário da BBC de Londres enfocando, especialmente, as causas e circunstâncias que envolveram a sua morte.
De Gentil Filho soube muito antes. Ou melhor, desde quando ele nasceu, tendo participado, inclusive, da alegria da sua chegada, com a mesma emoção de um tio cordial.
De coincidente tem-se que ambos enveredaram, cada qual em seu tempo, com um rigor científico peculiar, na identificação e estudo dos répteis.
O que chama a atenção no caso de Karl Peterson é a especulação de que, ao ser picado por uma “boomslang”, (serpente venenosa que habita a África sub-saarina), após identificá-la e asseverar-se da letalidade da peçonha, bem como da inexistência de um antídoto, a não ser na África, passou a registrar a experiência da sua própria morte, descrevendo em um caderno, minuciosamente, cada etapa da ação deletéria do veneno sobre o seu organismo, revelando uma impressionante serenidade e pendor científico até o último momento da sua existência.
A publicação “Serpentes da Paraíba” é um trabalho feito não só por alguns pares de mãos, mas produzido por cérebros jovens e idealistas, desejosos de contribuir com a ciência, no estudo da diversidade e no intuito da preservação desses seres que são, em última análise, um patrimônio da humanidade.
Dentre essas cabeças privilegiadas que produziram o livro, está a do Doutor em Ciências Biológicas Gentil Alves Pereira Filho, que há algum tempo me presenteou com a sua obra. Deixei para agradecê-lo só agora, com o zelo e a circunstância que o livro inspira, pois tenho a consciência de que um lacônico muito obrigado não bastaria para demonstrar a gratidão por um presente tão rico, principalmente para apaixonados pela natureza como eu.
O livro, devo dizer, é um primor, a começar pela sua feição gráfica. Editorado em puro e denso couché, valoriza, de forma especial, as fotografias e desenhos que o ilustram. É científico sem ser árido. Suas páginas encantam pelas cores e a riqueza de detalhes de desenhos e figuras. A linguagem aproxima o leitor do tema, ajudando a desconstruir o medo que temos desses animais, tão importantes para a nossa fauna e para a ciência de um modo geral.
O orgulho de conhecer Gentil Filho e sua trajetória, só não é maior do que o de saber que ele teve a sua formação acadêmica e a sua iniciação científica na Universidade Federal da Paraíba, destacada, dentre tantas outras escolas, na produção não só nesse, mas em vários outros campos do conhecimento.
Torço para que as universidades federais, ameaçadas em sua independência, vilipendiadas por uma horda de iletrados, agredida em sua autonomia, como no caso das invasões feitas recentemente ao arrepio da lei, não venham a ser desmontadas.
O que assistimos, na atualidade, é a tentativa de inoculação de uma peçonha obscurantista, pelos que apostam na desconstrução de saberes amparados de uma visão crítica do mundo. Tais saberes, só podem fermentar no âmbito de escolas livres para discutir, amplamente, sobre todos os temas, sem medo ou qualquer tipo de opressão. Só assim conseguiremos, enquanto nação, nos inserir no contexto do desenvolvimento planetário, e nos tornar participes ativos na luta pela preservação da casa comum.
Através de Gentil Filho, parabenizo e cumprimento todos os “cobras” que participaram da produção dessa obra e, se me fosse dado batizar cientificamente os membros grupo, os chamaria de gentilis paraibenses.
Alexandre Henriques é cronista, fotógrafo-multimídia