Por Alexandre Henriques de Lucena
Minúsculas formas de vida. As encontrei dispostas na beira do caminho, em um campo amostral de mais ou menos cinco quilômetros de extensão. Elegi essa estrada para a minha caminhada fugidia. Uma senda batizada com o nome de João Pedro Teixeira, herói/mártir, do qual me ufano por ser destas terras, destas serras, dentre outros méritos.
Durante este período quarentenário em que se recomenda, ao máximo, o recolhimento doméstico, quem sabe um recolhimento até da alma, fugo de casa para me exercitar, e acabo por malhar muito mais o corpo etéreo do que o pesado invólucro que o sustenta. Não precisava de tanto.
Subverto um pouco a orientação geral, mas em segurança. Tenho frequentado esse lugar deserto de pessoas, onde o encontro mais comum é comigo mesmo, vindo sempre em sentido contrário, em curso de colisão. Os choques são inevitáveis. Imaginem um “eu” sobre o chão por força da gravidade e um outro “eu” tentando a voar rasante, vindo, como já disse, em sentido oposto. O “eu” voador, apesar de não ter o peso físico da carcaça, vem sempre pesado de pensamentos e indagações típicas do momento.
No súbito abalroamento, sou empurrado do acostamento para a margem da estrada, às vezes para a sua ribanceira. Não se trata de um empurrão qualquer, mas de uma espécie de alerta para que, de câmera em punho, genuflexado diante da beleza, possa primeiro perceber, para depois examinar detalhadamente, e só então fazer a merecida reverência fotográfica a estas sofisticadas formas vegetais, de rara beleza, às vezes muito miúdas, até imperceptíveis, não fosse o deliberado atrito entre o eu que pisa com eu que voa, resultando num eu perplexo e extasiado com o espetáculo proporcionado pela da mãe maior, dona absoluta da casa comum.
Sempre tive “olhos de ver” e acho que muitos os têm. Talvez, no mais das vezes, os tais olhos não se conectam aos estados do espírito que motivam a mirada, a atitude, o gesto e a reverência, conjunto que resulta no disparo do meu daguerriótipo.
A manhã, o sol, o cheiro da terra ainda molhada misturado ao do mato, o gosto de café preto na boca, o canto dos pássaros, o vácuo dos carros a dobrar os talos das milhãs, com as suas espigas repletas de sementes, prontas para serem transportadas para longe pela força do vento. Pura sinestesia.
A luz absolutamente propícia, filtrada pelo rastro gasoso da chuva chovida à noite. O fino manto hídrico suspenso no ar, ajudando minimizar os efeitos incômodos dos raios infravermelhos e ultravioleta, que tanto perturbam os caçadores de imagens, principalmente quando tentam se aproximar da ilusão ótica que são as cores, vistas e sentidas de maneira peculiar por cada vivente.
Volto repleto de imagens, na câmera e na mente, imagens de beleza, pleno de endorfinas, que rapidamente são consumidas após a oitiva do primeiro noticiário, como uma pedra de gelo se desfaz quando solta numa chaleira fervente.
*A este texto, resolvi dedicar a cada uma das fotos a um amigo e assim fiz.
Alexandre Henriques é cronista, fotógrafo-multimídia