Por Alexandre Henriques
Refletir serenamente sobre a cena de violência que assistimos recentemente em Guarabira, quando da prisão do advogado Fábio Meireles, torna-se necessário e até obrigatório. Esta reflexão deve ser feita para que possamos continuar autorizados a usar e a pensar a palavra Futuro com mais responsabilidade, com menos vulgaridade e de forma mais consequente. Se assim não for feito, estaremos confessando a nossa impotência e a nossa incapacidade para pavimentar os espaços políticos e de sociabilidade desse tal de Futuro. Estaremos declarando a nossa incompetência com relação às novas gerações, ou seja, nos descuidando perigosamente do lugar onde hão de pisar os nossos filhos e netos.
Portanto um pouco mais afastado no tempo; um pouco mais distanciado do espanto e da indignação que contaminaram todas as pessoas de bom senso; espanto e indignação que foram provocados pelas imagens chocantes e violentas da prisão do advogado Fábio Meireles, torna-se possível, sem a temperatura da hora do incidente e dos momentos imediatos que se sucederam, transformar sentimentos em palavras, sem o risco de exageros ou de inconsequências. Tais palavras, almejo, sirvam não só como um desabafo cidadão, mas com sorte venham a ser úteis para que reflitamos sobre o degradante episódio.
Aproveito, antes de qualquer outra consideração, para me solidarizar com o advogado Fábio Meireles, com o seu filho, também preso e, por fim, com a sua família, vítimas que foram do uso desmedido da força e de uma truculência que remonta os tempos do coronelismo.
Conheci Fábio Meireles e a sua família muito antes dele se tonar o advogado sério, motivado, educado e, acima de tudo, respeitoso com os seus pares, com a parte adversa, com os magistrados e com o pessoal dos cartórios. Das muitas audiências das quais participei com a presença dele, nunca o vi sequer alterar o tom de voz. O seu espírito conciliador sempre ajudou a reger a sua atuação como operador do Direito. Impossível, pois, imaginá-lo fora deste padrão de comportamento.
O que as imagens que circulam na internet demonstram, na realidade, é que houve um verdadeiro apagão constitucional provocado por um oficial do IV BPM, que sem pejo ou pudor, como se não estivesse diante de tantos olhos e câmeras, resolveu colocar na lata do lixo as prerrogativas constitucionais de um advogado no exercício da sua profissão. Imaginem como não agiria um policial desses na noite escura dos regimes de exceção, na ausência de tantas quantas foram as testemunhas do seu deplorável e desproporcional ato de força e arbítrio. Indagações das mais diversas brotam intimamente nos corações e mentes dos que consideram a liberdade um bem de valor inestimável e a democracia uma obra em permanente construção.
Digo isso, obviamente, com um olho na tradição cidadã do povo de Guarabira, que embora ordeiro, também sabe ser rebelde, quando necessário. Uma rebeldia inspirada, certamente, nos grandes líderes do passado. Para não ser obrigado a lista-los, invoco, neste instante um dos maiores, para que represente a todos, ou seja, Osmar de Araújo Aquino, também advogado, também vítima da injustiça, também preso em seu tempo, em decorrência do seu ofício e da sua luta.
Quero crer e tenho motivos suficientes para isso, que o oficial que comandou a prisão do advogado Fábio Meireles não representa a nova Polícia da Paraíba, instituição caracterizada por tantos e tão efetivos serviços prestados à população. Conheço vários soldados e oficiais e tenho a certeza de que a grande maioria deles não cometeria ato tão desproporcional ao exigido naquela circunstância.
Talvez o major que ordenou a prisão do advogado Fábio, nem sequer represente a velha polícia, uma vez que não tendo a rigorosa e concorrida formação exigida aos novos soldados, deveria lhe acudir a experiência no lugar valentia e da bravata; a ponderação no lugar do descontrole e do desrespeito à lei, ou seja, o exercício sereno do poder da polícia. Para isso a corporação já conta com as armas e valor icônico que representa a farda para um militar e para a sociedade a qual ele é obrigado a servir, respeitar e proteger. Parafraseando o dramaturgo inglês Shakespeare, poderia dizer: pobre major, ficou velho antes de ficar sábio, como disse o bobo da corte ao Rei Lear.
Se não pertence nem a nova nem a velha polícia, seria o major um ponto fora da curva, como se tenta representar quando se fala em exceção?
Deveria o militar, até por fazer parte do seleto grupo que compõe o oficialato, conhecer o ritual e a solenidade que devem presidir o ato de submeter um semelhante pela força em nome do estado, privando-lhe da liberdade, ainda mais quando o preso é um advogado, com prerrogativas constitucionais, cuja prisão no exercício da sua profissão só pode ser efetuada com presença de um representante da OAB.
Toda a cena foi gravada por câmeras de celulares e imediatamente ganhou espaço de destaque nas redes sociais. Em nenhuma das imagens divulgadas é possível observar o advogado sequer alterando o tom de voz, mas apenas tentando argumentar com o oficial que, visivelmente descontrolado, espumava de ódio e ira pelo canto da boca. Quando digo isso, não estou usando uma hipérbole ou um artifício retórico, mas a descrição da cena em sua literalidade.
Nas imagens, o clímax da ação se dá quando um dos policiais, sob as ordens do major, auxiliado por mais uns três, submetem o advogado com o joelho pressionado em suas costas, aproximando o seu rosto do asfalto, para depois algemá-lo. Se a imagem é chocante para todos que possuem algum senso de justiça, o áudio da voz de um popular que assistia e narrava a cena, chega a ser repugnante e abjeto, principalmente quando esse parabeniza a polícia, repetindo as palavras do major, como se fosse um papagaio e validando de forma asquerosa a atuação da polícia naquele momento.
A rigorosa apuração dos fatos pela corregedoria da polícia, pela OAB local, com o auxílio da OAB estadual e, quiçá, a nacional, são imperativos urgentes e indispensáveis. Que seja dada ignição ao devido processo legal, a que todos têm direito, e ao qual todos, sem exceção, estão submetidos.
Torcemos para que o episódio não caia na vala do esquecimento e dos dilatados prazos. Enquanto não for dada uma satisfação às vítimas e à sociedade, o joelho da polícia continuará pressionado sobre as costas da advocacia guarabirense e paraibana, prostrada que foi em decúbito ventral, com o rosto rente asfalto.
À corporação caberá dizer se o oficial pertence à velha ou a nova polícia, se é um ponto fora da curva ou dentro dela.
Alexandre Henriques é cronista, fotógrafo-multimídia