Por Alexandre Henriques
Nunca começo a escrever a partir do título, ele sempre vem depois. Neste caso veio antes, foi inevitável.
Vivenciamos juntos o sonho de liberdade sobre duas rodas, porém de forma outonal, bastante conservadora, sem muitos riscos e usando apenas drogas lícitas.
Uélio Joab de Melo Viana, no dia de hoje, montou um bólido luzente e desapareceu na linha do horizonte. Prefiro imaginar assim.
Pilotamos, durante algum tempo, máquinas com o mesmo estilo das que Peter Fonda e Dennis Hopper usaram no clássico Sem Destino (Easy Rider), produção filmográfica do final da década de 60, dirigida por Hopper. Aceitamos mutuamente e sem resistência, os codinomes de Peter Troncho (Uélio) e Dennis Roto (eu). Não faltou entre os protagonistas do nosso grupo, sequer o correspondente a Jack Nicholson, vaga que foi solenemente preenchida pelo dileto amigo Naldo Martins.
Não foi só isso, éramos amigos, conversávamos longamente quase todos os dias depois da caminhada, conversa sempre regada a algum destilado, antes que ele se mudasse do Morgado de Costa Beiriz para a capital, quando os encontros se tornaram mais raros e espaçados.
Passamos a nos encontrar no universo virtual, onde ele era mais arredio. Ainda esta semana conversávamos sobre as chuvas recentes e o nível da barragem do Tauá, motivo das nossas preocupações. Ele, enquanto engenheiro da Cagepa que foi aqui no Morgado por quase 4 décadas. Eu, como menino ribeirinho, habituado revisitar a infância e a adolescência, ainda submersas sob a grande caixa hídrica em que se transformou o Tauá.
Polêmico, versado em muitos temas, atualíssimo, apaixonado por tecnologia de ponta, vez por outra aparecia com uma novidade “raitec”. Foi o primeiro internauta do Morgado, em meados da década de 90, a acessar uma provedoria da Internet no Rio de Janeiro, através de chamada telefônica. Enunciava quase tudo como se fosse construir uma equação matemática. Ainda guardo no ouvido algo como: “O problema é o seguinte…”
Não, não vou cair na esparrela piegas de falar sobre marido amantíssimo ou sobre pai extremoso, mas vou registrar a sua integridade e a sua cidadania, além de uma existência na qual colocou a engenharia a serviço do sanitarismo, seja com relação à qualidade da água, seja com relação à coleta de esgotos. São legados que ficam, muito mais que outros, para a Vera e Larissa, guardiãs, a partir de agora, da memória do amigo, marido e pai.
Quando o motociclismo ressurgiu como um modismo, há cerca de duas décadas, eu e ele já éramos do ramo há algum tempo. Uélio costumava dizer que começou, na década de 60, como lambreteiro.
Viajávamos, no mais das vezes, em pequeno bando de no máximo três casais. Foram viagens que valeram muito. Valeram pelo que vimos de paisagens, pelo que guardamos em nossas mentes, pelo que fotografamos, pelo que rimos durante e depois dessas incursões. Valeu muito mais ainda, pela construção agora inquebrantável da nossa amizade.
Antes que subam os letreiros, aproveito para dizer do meu lamento por não poder, como tantos outros, estar junto com Vera e Larissa nesta hora.
São as trapaças da sorte que nos impedem da efetiva presença, uma vez que estamos dentro outro “easy rider” que ainda não acabou, um filme de péssimo gosto, cheio de cenas mortes, nada gloriosas, que continuam sendo banalizadas por tiranos, relevadas por insanos e naturalizada por idiotas.