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Joana de Miquila e as Margaridas invisíveis

20 de janeiro de 2021
em Alexandre Henriques

Por Alexandre Henriques

Joana de Miquila em seu ponto de comércio – Foto: Alexandre Henriques

Morreu Joana de Miquila, a Joana das pamonhas. Enquanto pôde, ela não abandonou seu ponto de vender milho assado e pamonhas na Praça João Pessoa, aqui no Morgado. Até mesmo quando desobrigada pela necessidade, em face da carga que lhe impôs a vida, continuou com a sua labuta. Com os filhos criados, por certo, já não precisava trabalhar tanto, mas trabalhava. 

Encerrados 40 anos de luta, no mínimo, só nesse ofício. Deixou a praça apenas quando a saúde não mais lhe permitiu continuar.

Tardes e noites a fio, chovesse ou fizesse bom tempo, lá estava ela, em seu empreendimento. Uma área que não chegava a medir mais que uns dois metros quadrados do chão da praça. Acendia os seus fogareiros de barro todos os dias, um para assar milho e um outro para esquentar o caldeirão de pamonhas.

Sua presença no local só não era mais constante do que a do busto de João Pessoa, posto no outro vértice do quadrado da praça. Era como se a incessante luta pela vida tivesse que ser honrada diariamente com o trabalho duro. Não só o de elaborar com esmero, mas também o de comercializar tudo que produzia. Todo esse esforço para criar a família de forma digna, como o fez.

Talvez diante de tantas vicissitudes ela tenha desenvolvido um calo, uma intumescência, um endurecimento da pele da alma, o que a fazia plácida e serena mesmo diante das adversidades. Poucas vezes saía do sério. A vi mais emocionada apenas uma vez. Foi quando tentou me contar, entre discretas lágrimas, a perversidade da qual foi vítima o seu filho João. O seu caçula teve um olho perfurado, por pura ruindade de quem o fez. Logo João de Miquila, um excepcional, uma criança no corpo de um adulto. Logo João, que sempre foi camaradeiro e prestimoso, a distribuir apertos de mão com quem encontrava pela frente e a se identificar, insistente e orgulhoso, como um trabalhador.

Não fui apenas cliente de Joana, gozava da sua amizade. Conversávamos algumas vezes quando o tempo dela permitia. Eu sempre perguntava pela sua saúde, e ela pela minha parceira de jornada e pelos nossos filhos, se estavam todos bem – Como vai a patroa? E as crianças? – Coisas do tipo. Ela tinha uma afeição especial por Cléoma.

Dentre outras essências e excelências, Joana era rezadeira. Como creem os rezadores, parte do mal que acomete o rezado, acaba sendo absorvido pelo rezador durante o ritual. Disse-me certa vez que rezou uma criança doente, vítima de um olhado que, de tão forte, a obrigou vencer uma ladeira íngreme como a do Tapado, seguindo pelo Soturno, passando ao largo do Quati, até chegar às Pedras Moles, para ser atendida por um colega seu, também rezador, e dividir com ele o peso do olhado.

Joana foi e continua sendo personagem de um arranjo urbano muito mais profundo do que imaginamos, enraizado no trabalho, nas crenças, na luta, na fé e na dignidade humana. Joana, pelo seu trabalho em praça pública, representa milhares de outras Joanas invisíveis da nossa terra. Joanas que continuam lutando, penosamente, tanto quanto ela, para levar suas ninhadas a bom termo, mesmo em um mundo cada vez mais desigual, cruel e conturbado, cheio de pesados obstáculos, principalmente para as mulheres.

Um dia desses, não faz muito tempo, outra mulher, tão importante para a cena urbana quanto Joana, teve seu avental manchado com o sangue do próprio filho, assassinado (por engano, comenta-se) diante dos seus olhos, na feira livre de Morgado.Apesar de tudo Margarida Debulhadeira continua lá, sentada como um faquir, no chão da calçada onde escorreu pela sarjeta o sangue do seu filho. Continua a debulhar feijão verde, de sol a sol. Ela, sem dúvida, é outro dos ícones do nosso aldeamento, lugar às vezes equivocado e abrasivo, mormente quando se trata das mulheres trabalhadoras e da falta de políticas públicas que as abrace com o carinho que elas merecem.

Em um breve exercício de empatia, descubro rápido o quanto sou fraco diante da resistência e da coragem dessas duas mulheres, dessas duas representantes do feminino mais puro e duro do nosso aldeamento. Os seus destinos, tanto o natural, de parideiras e de criadeiras, como o labor que lhes coube para ganhar a vida (sem muito poder de escolha) e ao qual se acostumaram, as tornam, diante do meu olhar agora úmido, símbolos dignos de respeito e reverencia povo morgadense.

Mesmo assim, são os nomes de alguns cabotinos que frequentemente vão parar estampados nas placas que designam as ruas, em homenagens que chegam a ser heréticas, de tão despropositadas. São nomes de ruas e praças que em nada dignificam as casas e logradouros públicos onde vivem e trabalham gente, como Joana e Margarida.

Todos os homens e mulheres de todos os lugares merecem respeito. Aqui não podia ser diferente, na terra que me habituei a chamar de minha. De forma especial, respeito e louvo a existência de Margarida Debulhadeira e Joana de Miquila (in memoriam). Agradeço às duas por tudo o que elas representaram e continuarão representando para mim e para o lugar que escolhemos para viver.

Alexandre Henriques é cronista, fotógrafo-multimídia

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