Por Alexandre Moca
O crânio de Luzia não foi consumido pelas chamas. Não, não falo do crânio multimilenar, fossilizado e guardado durante anos no Museu Nacional, queimado no último domingo.
O crânio de Luzia guardava em si próprio um tesouro antropológico, com milhares de enigmas ainda por decifrar.
Um único achado arqueológico capaz de conter uma grande concentração de respostas ainda a ser dadas pela ciência, principalmente sobre a origem do homem americano e que foi transformado em cinzas pela incompetência e descuido de um homem mais recente, o homem brasileiro.
Falo dos crânios das Luzias, Joãos, Pedros, Josés, Marias, Franciscas e Severinas, vivíssimos, que, dentre tantos outros filhos da pátria, foram desrespeitados, enquanto engenhos de pensar, durante a apresentação de ontem (04/09/2018) do Jornal Nacional.
Esses brasileiros nos quais me incluo, viram os apresentadores do mais importante noticioso da Globo, fazerem cara de “não fomos nós”, ao anunciar, em nota cheia de dedos e “entre aspas” como lhes é peculiar, a decisão do IBOPE de não divulgar o resultado da pesquisa eleitoral para presidente feita esta semana, em respeito a suposta decisão do TSE.
É como se o cérebro das Luzias vivas e de tantos outros brasileiros, que mesmo não sendo fãs do telejornal da platinada, continuam assistindo apenas para saber até que ponto vai chegar a desfaçatez. É como se o combustível do jornalismo subliminar e rasgadamente tendencioso, praticado pelos cartéis da comunicação no Brasil, tivesse queimado o discernimento e a capacidade reflexiva de grande parte do povo brasileiro.
Um jornalismo cuja fachada é composta por apresentadores como William Bonner e Renata Vasconcelos, canastrões enquanto atores, a teatralizar uma farsa decadente, incapaz de resistir ao ataque colérico de um eunuco moral, de um celerado como Jair Bolsonaro, em horário nobre, diante da nação das Luzias de carne e osso, enojadas com tanta truculência.
A pesquisa foi feita, só não foi divulgada. Aqueles que a encomendaram e pagaram por ela (Globo e o Estadão) ficaram cientes do seu resultado, só não lhes interessou divulgar. Essa é a realidade.
Alguém, em sã consciência, acredita que se os resultados da prospecção eleitoral desta semana avalizassem a tese golpista eles não seriam divulgados ? Que não seriam levados ao público de forma bombástica, quem sabe até em edição extraordinária?
Se a pesquisa revelasse outro resultado fora do imaginável pela tendência eleitoral esboçada até hoje; se o esforço golpista e em constante movimento da grande imprensa fosse finalmente recompensado, duvide-o-dó que ficassem guardados numa gaveta.
O que sofreria legalmente o IBOPE se ele apenas fez a pesquisa, repassando o fruto do seu trabalho para O Estadão e a Globo, que a encomendaram e pagaram por ela? Seriam apenas encarregadas da divulgação.
Se o resultado aferido pela pesquisa indicasse a vitória de um candidato alinhado com os grandes veículos de comunicação e com os agiotas dos grandes bancos e da FIESP. Se, mesmo assim, o que não é provável, o TSE insistisse em proibir a divulgação dos resultados, imagino até como seria o editorial do Jornal Nacional.
William Bonner abriria dizendo assim: Abre aspas. “As organizações Globo cumprem o dever histórico e democrático, a despeito de decisão adversa proferida pelo TSE, vedando a divulgação do resultado da pesquisa realizada pelo IBOPE, entre os dias tais e tais, divulgar os seus números. Com respeito à Justiça, porém com mais respeito ainda ao nosso telespectador e à opinião pública, divulgaremos o criterioso trabalho feito pelo IBOPE. Estamos tomando as providências jurídicas que nos cabem nesse momento. Agimos com a consciência de quem sempre defendeu, ao longo da existência enquanto empresa, a boa prática jornalística, em constante sintonia com a verdade dos fatos e em consonância com os princípios democráticos que devem balizar os anseios não só desta empresa, mas do povo brasileiro” Fecha aspas.
Acho que é o mesmo redator de tantas outras notas, inclusive a que pede desculpa ao povo brasileiro pelo apoio ao golpe militar de 64.
Portanto, assim seria.
Um solene PQP para o TSE, para a democracia e para o crânio das Luzias, que metaforicamente nada mais representa que o crânio da grande maioria do nosso povo.
Alexandre Henriques é cronista, fotógrafo-multimídia