Muito se tem dito sobre a realização da Festa da Luz deste ano, espécie de primeiro desafio posto ao administrador municipal que assume. Foi assim há oito anos, se repete agora e com certeza levará um bom tempo até que mude esse foco e não haja tanto frisson em torno de um evento que já se realiza há bem mais de um século. A festa, que nos primórdios era de cunho muito mais religioso e servia para arrecadar fundos para a paróquia, hoje é muito mais profana e cara, além de ser bancada pelo erário.
Quais serão as bandas? Quantos dias terá a festa? Qual será a localização do palco Pilõezinhos? Haverá espaço para os artistas da terra? Estas e outras perguntas relacionadas com o tema têm que ser respondidas prioritariamente, como uma prova de fogo para o novo gestor. Mesmo que ele queira falar sobre PSF’s fechados, escolas em petição de miséria, ginásios em escombros, cofre vazio e dívidas a pagar, não se quer saber de nada disso. Primeiro a festa.
Se esforce muito, dificilmente agradará a oposição. Olhe, olhe se setores da situação também não ficarem insatisfeitos. “No lugar do prefeito eu faria era 12 dias de festa e contratava 24 bandas, prá não ficar por baixo”. Ouvi manifestações nessa direção.
Mesmo sem querer, os novos prefeitos da região, sejam eles devotos ou não de Santos Reis, São Sebastião e de Nossa Senhora da Luz, festejados em janeiro e fevereiro, têm que atender aos seus munícipes, armar palcos e montar o circo, senão… Senão o quê? Perdem a eleição seguinte? Por certo é o que temem.
Os festeiros, amantes do forró de plástico, que me perdoem. Discordo que o dinheiro público sirva para pagar essas “atrações” de gosto duvidoso, geralmente contratadas a preços astronômicos. Não me sinto atraído (e não estou só) por este tipo de “divertimento”. Não soa bem aos meus ouvidos letras desconstrutivas como: “É rapariga… É cabaré…”, “Eu vou beber, cair e levantar…” ou apelos como ”Quem for rapariga levante o dedo…” ou “Quem for corno balance os chifres”.
Como fenômenos de massa essas bandas são capazes de juntar multidões e fazem a festa sim: de seu Brahma, de dona Skol, de dona Coca Cola, de seu Souza Cruz e de seu Montilla, dentre outros, já que sob o suposto patrocínio dessas marcas cria-se um imenso confinamento humano onde os produtos anunciados vão ser consumidos.
Visto por outro ângulo, ninguém de bom senso convida para uma festa em sua casa mais pessoas do que o número de cadeiras, pratos e talheres que possui. Com relação à festa da padroeira deve acontecer o mesmo. O formato da Festa da Luz, nos últimos anos, tem atraído uma multidão que não cabe mais nos espaços que a cidade dispõe para o evento. Falta infraestrutura para atender tanta gente. As ruas adjacentes às do local de realização da festa recebem um verdadeiro banho de urina, já que os sanitários químicos não atendem a demanda e também por uma questão de educação da população. A polícia sente dificuldade em manter um razoável nível de segurança.
A boa festa será certamente aquela que for pensada, em primeiro lugar, como um evento para satisfazer os paroquianos/munícipes e habitantes de cidades mais próximas da região. Se não temos hotéis suficientes para receber sequer os grupos musicais, como pensar em atrair turistas para o evento.
Nos dias atuais uma legião de nômades, no rastro das tais bandas, se amontoa pela cidade vindos até de outros Estados, deslocando-se tresloucados, estacionando seus carros sobre calçadas, quando não rebocando imensos paredões de som, incomodando a todos com o ruído estridente que produzem, deixando para trás o rastro de lixo da farra para ser recolhido pela prefeitura, além do irritante lixo sonoro produzido durante a festa. Na volta, muitas vezes, não chegam em casa, ficam pelas estradas, depois de terem participado da última farra de suas vidas.
Não sou saudosista o bastante para querer transportar para os dias atuais as festas de antigamente, de ricos e pobres, separados em pavilhões e pilõezinhos. Porém, sou futurista o suficiente para imaginar não só a Festa da Luz, mas a de São João e todas as outras do nosso calendário festivo, sendo realizados em um espaço próprio, confortável, seguro e bem planejado para receber os de casa e os de fora de forma digna.
Imagino também que para a contratação das atrações musicais deveriam ser considerados critérios como o da qualidade do conteúdo cultural. A escolha não seria monocrática, apenas prefeito, mas emanaria da decisão de um conselho criado para esse fim, mas ai são outros quinhentos.
Alguém, a essa altura, deve estar se perguntando a razão do título do escrito. Não, não sou erudito o bastante para querer que contratem para a festa da Luz um musicista e que o mesmo execute uma peça de Paganini, em um violino stradivarius, no palco principal. Defendo um salto de qualidade bem mais gradual. O célebre violino foi aqui invocado para relembrar a operação da polícia que ficou conhecida como “Pão e Circo” e que no ano passado desbaratou uma quadrilha formada por empresários de bandas e prefeitos, associados criminosamente limpar os cofres públicos. Ao celebrarem contratos de valores estratosféricos, asseguravam, na realidade, o extra de vários.
Alexandre Moca
* Stradivarius é uma das mais famosas marcas de instrumentos de corda do mundo. Seu construtor, o luthier Antonio Stradivari (1644-1737), produziu vários violinos e violoncelos.