O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira que a revista digital “Crusoé” e o site “O Antagonista” tirassem imediatamente do ar uma reportagem intitulada “O amigo do amigo de meu pai”. Segundo a matéria, o empreiteiro Marcelo Odebrecht identifica que o apelido do título, citado em um e-mail, refere-se ao presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli. Pela manhã, um oficial de justiça da Corte chegou à redação da revista para entregar a cópia da decisão.
Moraes estipulou multa de R$ 100 mil por dia em caso de desobediência. E determinou que a Polícia Federal intime os responsáveis pela revista e pelo site para prestar depoimento no prazo de 72 horas. Em publicação desta segunda-feira, a Crusoé “reitera o teor da reportagem” e informa que ela foi escrita com base em documento.
Na decisão, o ministro explica que não se trata de censura prévia, que é proibida pela Constituição Federal, com base na liberdade de imprensa. O caso seria de responsabilização posterior à publicação, uma hipótese prevista na legislação. A notícia foi publicada com base em documento da Operação Lava-Jato.
Segundo a decisão de Moraes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) desmentiu a informação e, ainda assim, a revista não retirou a reportagem do ar. Por isso, o ministro classificou o texto de “fake news”. Para ele, houve “claro abuso no conteúdo na matéria veiculada”.
Moraes tomou a decisão no inquérito aberto por Toffoli em 14 de março para apurar casos de ofensas e ataques ao STF e a seus integrantes. A ação apura notícias fraudulentas, calúnias, ameaças e crimes contra a honra do tribunal. O caso, que está sob a relatoria de Moraes, é sigiloso. O inquérito foi aberto de forma pouco usual, por portaria, e não a pedido da PGR. A possibilidade está prevista no Regimento Interno do tribunal.
Na sexta-feira, quando a “Crusoé” publicou a reportagem, Toffoli pediu a Moraes para incluir o episódio nas “fake news” previstas no inquérito. O presidente da Corte enviou ao colega ofício autorizando a investigação, “diante de mentiras e ataques” e das “mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”.
Toffoli mencionou nota da PGR informando não ter recebido cópia do documento enviado à Lava-Jato por Marcelo Odebrecht em que “Crusoé” alega ter baseado a reportagem. Moraes concluiu, então, que a informação da revista era falsa. “Obviamente, o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República torna falsas as afirmações veiculadas na matéria ‘O amigo do amigo de meu pai’, em típico exemplo de fake news”.
O ministro ressaltou que existe “plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo)”, mas isso não isenta o veículo de “eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre ‘a posteriori’, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação”.
O inquérito conduzido por Moraes tem o auxílio da Polícia Federal, sem a participação da PGR. Entre os alvos, estão procuradores da Lava-Jato que postaram vídeos na internet e publicaram artigos críticos ao STF. Uma das consequências práticas da investigação foi buscas em endereços de São Paulo e de Alagoas e o bloqueio de contas na internet dedicadas a disparar mensagens incitando o ódio contra o tribunal. A suspeita é de que essas ações sejam pagas por grupos interessados em desestabilizar o Judiciário.
Associações criticam decisão
Em nota, a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) consideraram a decisão de despublicar a reportagem como um ato de censura.
“A decisão configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF”, diz a nota.
As entidades ressaltam ainda que “a legislação brasileira prevê recursos no campo dos danos morais e do direito de resposta para quem se julgar injustamente atingido pelos meios de comunicação”. E concluem que “a censura é inconstitucional e incompatível com os valores democráticos”.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também criticou a decisão do STF, a qual considerou uma ameaça grave à liberdade de expressão. Para a Abraji, “causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal”. Em nota, a associação pediu ao STF para que “reconsidere a decisão do ministro e restabeleça aos veículos atingidos o direito de publicar as informações que consideram de interesse público”.
A Abraji argumenta que o único elemento que Moraes cita para qualificar a reportagem como falsa é uma nota na qual a PGR informa não ter recebido o documento com os esclarecimentos de Marcelo Odebrecht, que que cita o presidente do STF. E ressalta que o documento citado pela Crusoé “não apenas existe como está disponível na internet”.
“É grave acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir “fake news”, independentemente de o conteúdo estar correto ou não. Mais grave ainda é se utilizar deste conceito vago, que algumas autoridades usam para desqualificar tudo o que as desagrada, para determinar supressão de conteúdo jornalístico da internet. O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender”.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) disse, por nota, que a decisão “expõe o caráter autoritário de uma portaria interna do próprio Supremo destituída de base legal. Ao impor a censura a um órgão de imprensa, Sua Excelência extrapolou os limites do próprio Poder Judiciário através de um simples ato regimental. Não pode o Supremo legislar, investigar e julgar em causa própria invadindo outras esferas institucionais”.
A ONG Transparência Internacional divulgou nota afirmando que a decisão de Moraes “fere a liberdade de imprensa e afeta a imagem internacional do Brasil, por atentar contra princípios basilares do Estado Democrático de Direito”. A entidade considera a medida “intolerável”, além de significar “um precedente grave e perigoso, ameaçando jornalistas que ousarem produzir reportagens envolvendo membros da corte de serem alvo de semelhante tratamento: censura e persecução inquisitorial – ambas há muito abolidas por sistema de Direito brasileiro”.
Ainda segundo a nota, as “fake news” devem ser coibidas com rigor. Mas, para a entidade, é preciso seguir “as vias judiciais regulares”. A ONG considera o inquérito aberto no STF mais capaz de ameaçar liberdades do que coibir crimes”.
Fonte: Extra Online