Como muita gente já fez e continua fazendo, resolvi também me arriscar numa análise sobre os resultados, seus números e outros aspectos revelados ao final da última eleição em nossa aldeia.
Não vou tentar, com o engenho argumentativo eufemístico de alguns dos nossos especializados âncoras, analistas e até de coordenadores políticos de campanha, buscar equações mirabolantes, típicas do dia seguinte ao pleito. Algumas delas que visam, inclusive e mais das vezes, consolar e convencer os derrotados de que, mesmo derrotados, eles foram os grandes vitoriosos. Na outra ponta, não é plausível também a tentativa de demonstrar que o vencedor foi escolhido por ser absolutamente o melhor, o mais honesto, o mais capaz e o mais competente. Há que se estabelecer uma linha medianeira.
Mesmo assim, ainda no mormaço da acalorada disputa, o de mais imediato que se pode vislumbrar é que ao eleito Zenóbio Toscano coube com folga o primeiro lugar no podium e, aos derrotados, mais uma experiência. Àqueles difíceis de se conformar com a derrota, como diria o saudoso Luis Francelino, restou beber água e lamber a capação.
Infelizmente ainda não é da nossa práxis política pouco civilizada, o estender de mão ao derrotado. O gesto torna-se economizável, neste caso, uma vez que os derrotados, ainda amuados, dificilmente aceitariam a mão estendida para uma caminhada juntos, sem submissão ou demérito, em nome do bem coletivo. No futuro sim, essas mãos podem voltar a ser dadas, em alguma aliança ou acordo, em nome da manutenção dos mesmos atores, no mesmo espaço de poder.
Se fosse possível criar neste momento um ambiente de cordialidade sincera, a nova disputa seria remetida para um pouco antes da campanha vindoura. Diferente disso, o processo da nova disputa já começou não dando tempo, para muitos, fazer outra coisa na vida.
Numa breve porém necessária digressão, é importante observar que o instituto da reeleição (tomara que esteja mesmo com os seus dias contados) faz parte de um legado casuístico que o ex-presidente Fernando Henrique adquiriu para si, por compra, pagando com o dinheiro das privatizações ou, em alguns casos, trocando por mimos do tipo concessões de rádio e tv, como é público e notório. Essas operações, à época, foram amplamente denunciadas pela imprensa, continuam impunes e receberam como rótulo, cinicamente e sem maiores problemas um dos versos da oração de São Francisco que diz “É dando que se recebe.”
Cabe lembrar ainda que desde a criação dessa ponte de ouro para um segundo mandato, a experiência e a estatística têm demonstrado que o aboletado no cargo tem a sua recondução a um novo mandato como favas contadas e, dificilmente, chega a ser destronado pelo voto. Aqui mesmo no nosso Morgado, não há registro de um que tenha sido candidato a reeleição e malsucedido na empreitada.
Para concorrer ao segundo mandato o candidato não se afasta um dia sequer do cargo, enquanto pleiteia sem qualquer intervalo a sua “reocupação”. Esta condição, por si só, cria uma desigualdade flagrante, contemplando a mesma lógica do é dando, e não só prometendo, como no caso da oposição, que se recebe.
Digressão feita, voltemos ao caso da nossa aldeia.
Se tivéssemos que definir as candidaturas postas este ano para concorrer ao cargo de dirigente maior do Morgado de Costa Beiriz e se o critério utilizado fosse o da idade política na escala do desgaste de cada um dos atores, poderíamos dizer que tivemos o velho, caricato e burlesco, o apenas velho, o velho travestido de novo e o novíssimo, ainda sem dentes, unhas ou ossatura para abiscoitar esse disputado quinhão de poder. Em suas raízes mais profundas, se observada a cronologia histórica, estariam a antiquíssima UDN e o consentido PSD. A exceção ficaria apenas para o novíssimo.
Se fosse vivo, uma das raposas da política local, de reconhecido talento para época em que atuou na política, certamente não ousaria sacar (e por motivos óbvios) uma de suas máximas prediletas, qual seja, a de que “o que é bom se repete”. Tal ditado popular só valia para ele próprio, um parente ou um indicado seu. Compreenderia, como se já não soubesse, que a bem aventurança bíblica inscrita em Mateus 5:5 “…os mansos herdarão a terra”, também pertencente ao repertório das suas citações prediletas, não se aplica mais, nem de brincadeira, ao território da disputa eleitoral. Na política, os mansos continuarão os mansos, não herdarão nada, vão ficar, como sempre, cheirando o fundo uns dos outros, como fazem os cachorros, na condição de submetidos e não de eleitores e cidadãos, sujeitos ativos da história.
O intendente reconduzido, Zenóbio Toscano, que disputou a primeira eleição em Guarabira nos idos de 1982, consolidou o seu nome a partir de um estilo político e gerencial que, para os padrões da época, foi considerado revolucionário. Hoje, no ambiente estagnado da política local, controlado por ele próprio e um segundo grupo oponente que diminui de tamanho e importância a olhos vistos, o atual e futuro alcaide aproximou-se, como se esquecido ou hipnotizado, de práticas cada vez mais fisiológicas e assemelhadas ao enredo da velha UDN. Parece agir como se possuísse um mal politico congênito, revelado apenas na idade provecta. Portanto, muito diferente do que costumava alardear à juventude, nos palanques de outrora. Prova disso é a rega sistemática que fez e faz com água quente, do pouquíssimo que brotou de politicamente novo no solo quase estéril do velho Morgado, durante o curso de mais de três décadas.
A evidência mais clara da transformação de um político em um novo coronel, é quando ele deixa de identificar na comunidade que lhe fornece os necessários votos para eleições sucessivas, qualquer talento que brote, a não ser no âmbito da própria família, única capaz de ocupar os principais espaços de poder. Assim sendo, cria uma vitaliciedade quase que cromossômica. Primeiro os filhos, depois os netos, “per secula seculorum”, ou seja, por todos os tempos, embora precisem, periodicamente, enquanto não acabarem com essa “brincadeira” de democracia, do amém das urnas.
Numa estratégia aparentemente suicida, por ousadia ou cálculo, o intendente reeleito, no início do seu mandato ainda em vigência, mandou às favas os atuais inquilinos da Casa de Osório de Aquino. Deu sinais de que por enfado ou tédio, em meio a tanta iniquidade, sairia da vida pública, como fosse Deus desistindo da humanidade, gesto que poderia ser resumido pelos resenhistas da política, com uma simples frase: “o homem endoidou”.
A nossa câmara baixa, baixa em seu sentido mais extenso, inclusive na qualidade moral e intelectual dos seus ocupantes da atualidade (guardadas poucas e honrosas exceções), havia ensaiado um motim extorsivo do qual participou um número considerável de legisladores mirins. Como no verso de Raul Seixas, o previdente alcaide se livrou das pulgas restantes num só sacolejo e marcou um grande ponto ao desmoralizar os que não se deram ao respeito, constituindo, talvez, o que seja a sua maior obra política neste mandato.
Ao romper a aliança com o governo da província para se juntar, mais uma vez, em nome de uma tal coerência, a um golpista que já contava à época com uma cassação nas costas, fez com que a sua escolha comprometesse importantes projetos, como o da construção do novo Mercado Novo. Conseguiu, por consequência, adiar mais um dos nossos sonhos que ele próprio consentiu sonhar, deixando-o encapsulado em algum balde no canto da sala, no plano das plantas, gráficos e maquetes, como vem se tornando quase uma praxe.
Justiça seja feita. Muitos dos projetos de grande monta que foram deixados pela metade nesta e em outras administrações do atual alcaide, jamais seriam sequer imaginadas pelo adversário, quanto mais iniciadas ou concluídas pelo principal opositor. O canal do Juá, o esgotamento pluvial da Pedro II e a revitalização do Rio que corta a aldeia, são bons exemplos disso. No caso do rio, trata-se de uma das nossas vergonhas mais permanentes. Vivemos a esconde-lo por trás dos muros dos nossos quintais, morto e putrefato como um inconveniente e insepulto cadáver.
O bloco dos velhos travestidos de novos, capitaneado apenas honorificamente por Josa da Padaria, ganhou corpo e considerável tamanho, somando descontentes dos dois lados restantes.
A proposta aparente era a da criação de uma terceira via ou, quando nada, o estabelecimento de uma quebra de paradigmas. Surge a pergunta que não quer calar. Foi criada uma nova consciência? Claro que não! Foi inaugurada uma nova prática política? Aí é que não mesmo! Poderia ter assustado até mais, não fosse a condução autoritária dos que acham que já aprenderam tudo em política. Estes, na verdade, apesar da inteligência e alguma esperteza, reproduziram, apenas, de forma caricata, algumas atitudes, gestos e cacoetes dos seus comandantes de ontem e de hoje, sem a autenticidade e bom senso necessários. O motivo insucesso é simples de explicar. Não possuem ainda a quilometragem e nem as licenças que só o tempo e a experiência concede aos verdadeiros líderes. Não será o uso desmedido da força, sem espaço para qualquer opinião ou discordância, por mais fundamentada e coerente, que terá condão de manter a construção agora, com a liga suficiente e necessária para chegar até o próximo embate, até próximo enfrentamento com o alcaide e com outras forças.
Em mais um providencial sacolejo e algumas unhadas, às vésperas do início da campanha, o recém eleito fez valer o apelido de gato, extirpando dois portentosos carrapatos, que de tão gordos das benesses do poder, achavam que podiam interferir decisivamente no ponteiro da balança eleitoral. O alcaide, sem muito esforço, viu-se livre do seu vice-prefeito e do presidente da câmara, numa só tacada, digo, unhada. A partir daí, foi só administrar a vantagem, aguardando o momento final, como na fabula, para dar o pulo do gato.
Os demais, enquanto continuarem reproduzindo apenas o que veem sendo feito pelos seus comandantes, sem refletir ou avançar sobre o modo de fazer política, estarão sempre muitos passos atrás dos chefes e continuarão a dar pulos de sapo.
Alexandre Henriques é cronista e ensaista